Aguilar, é um prazer tremendo estar com você e
poder acompanhar sua mostra aqui na Cinemateca do MAM, como você se sente com a
exibição e a recepção de suas obras aqui no Rio?
AGUILAR:
Dois de seus filmes que estão exibidos na mostra, os curtas-metragens, A divina comédia brasileira (1980), Sonho e contra-sonho de uma cidade (1981), utilizam duas telas paralelas para representar imagens totalmente distintas, no qual o espectador tem que traçar algum tipo de associação ou convergência entre elas. Como foi o processo de criar esses filmes? Você sabia desde o início do desenvolvimento que eles iriam ser exibidos dessa forma?
AGUILAR: Sim, já tinha esse objetivo antes da filmagem, a ideia sempre foi de apresentar uma dualidade. No Sonho e contra-sonho de uma cidade (1981) tem um lado que é lado onírico, que é Nova York, e um lado que é mais bacante, mais dionisíaco, que é aquele cemitério de automóveis, então a apresentação dessas duas sequências era o sonho e contra-sonho. Em A divina comédia brasileira (1980), eu queria usar a figura do relógio para fazer a divisão. Então a divisão inicial era da ideia do paraíso dividido a dois, de um lado um paraíso brasileiro que se reflete dentro da cerimônia negra da Umbanda, que é maravilhosa, e de outro lado um paraíso europeu que é representado pela figura da Catedral e os passantes perto dela. E além do paraíso tem o purgatório, e o purgatório nessa divisão é representado pela palavra, pela opinião, pela ideia de falar sobre tudo, de ficar nesse blá-blá-blá, e no final do curta tem o inferno, e no inferno aparece as volúpias do carnaval, as moças nuas, as performances musicais, então foram curtas para mostrar essas dualidades, e acabou que tudo funcionou né? Aí foi muito bom.
Sobre o seu processo artístico, eu tive o prazer de ver uma instalação sua que você pinta não apenas o quadro, mas todo o ambiente o redor, e me lembro muito do conceito de action painting, como é a ideia de intuição artística e espontânea dentro de seu trabalho?
AGUILAR: Olha, para mim a associação na pintura, e eu vou falar o óbvio, se guia pela centralidade da tinta. Eu acho que a tinta tem uma alma. Então quanto mais tinta você utiliza mais gestos são encontrados, é uma dança. E a tinta também é criadora de si, ela se pinta, você pode ver isso em quadros no qual há uma quantidade de tinta que fica por baixo, mas que ás vezes sobe para cima e realiza um gesto de se pintar a si própria.
Então tem uma junção muito grande no meu trabalho, não apenas o gesto sem sacralidade. É um processo de trabalho que só funciona quando você é invadido inconscientemente pelo poder único da tinta, que possuí uma alma. E tudo isso entra dentro de uma sincronicidade muito interessante de tinta e corpo. A obra de arte e a intuição funcionam na mesma direção. Mas se você é um artista que só é direcionado pela lógica ou por um diagrama de eventos no qual você tem que obedecer, aí a pintura vai ficar muito presa. Quando você se solta dessas restrições e se torna co-autor com as tintas, isso gera algo maravilhoso. E isso também funciona em outras esferas, outras linguagens dentro da arte.
Muitos dos materiais que você utilizou artisticamente são de diferentes meios, como por exemplo o vídeo a película de 35mm, e a própria pintura. Eu queria perguntar como você se guia para escolher o tipo de material adequado, se é uma escolha baseada em intuição ou de um desejo de explorar novos processos tecnológicos emergentes. E, unido a essa pergunta, você acredita que as tecnologias modernas que existem no Brasil fornecem liberdade para artistas experimentarem mais? Você acha que nossa geração pode utilizar novas tecnologias de forma inventiva?
AGUILAR: Olha, isso é uma noção que se encontra presente desde o começo da revolução industrial. Por exemplo, o nascimento do cinema foi que nem o nascimento de uma imensa montanha que anda luz a um Super-Homem em uma caminhada titubeante. Sempre foi assim, já na década de 70 eu adquiri a primeira câmera de vídeo, a câmera Black and White da Sony, e agora, depois de 55 anos, já temos a inteligência artificial. Toda essa questão da evolução tecnológica que encontramos no passado e no presente não é nada mais nada menos do que meios específicos que a gente pode utilizar para fazer a nossa assinatura, para marcar a nossa própria individualidade. Essa é a base total de qualquer inovação.
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