segunda-feira, 27 de novembro de 2023

José Roberto Aguilar – Sonho e contrassonho: Entrevista com o cineasta e artista Gregório Gananian sobre sua relação com José Roberto Aguilar.

 



A entrevista com Gregório Gananian, cineasta e curador/diretor da mostra José Roberto Aguilar- Sonho e Contrassonho na Cinemateca do MAM, foi realizada no dia 20 de Novembro de 2023. Ela abrange não apenas a mostra em si mais também o relacionamento artístico de Gregório com Aguilar. 

Como surgiu sua colaboração artística com Aguilar? Como vocês se conheceram?

GREGORIO: Então, o nome de Aguilar já estava no ar para mim pelo seu grupo musical chamado Banda Performática, que ele desenvolveu com a colaboração de artistas como Lanny Gordin, Paulo Miklos, Arnaldo Antunes, Teca Berlink e Jorge Mautner. E eu me lembro de uma vez que eu assisti um vídeo no YouTube, há uns anos atrás, que ele realizava uma performance cantada com a banda, intitulada ‘’Os Corações’’. E nessa performance ele abria os corações de tintas com uma faca e fazia as tintas caírem sobre seu corpo. É uma performance genial, maravilhosa

E houve um dia que eu estava na casa de um amigo meu, um poeta e artista maravilhoso chamado João Reinaldo Paiva, e ele me perguntou ”Cara, você conhece os textos que o Aguilar escreveu?” E eu não conhecia. E nesse dia ele me apresentou aos livros de Aguilar, eu li A Divina Comédia BrasileiraO Hércules Pastiche, fiquei a tarde inteira lendo eles. Eu descobri os personagens de Agripino de Paula, o Getúlio Vargas 1 e o Getúlio Vargas 2, quase como uma versão jovem e uma versão velha do Getúlio. E o Artaud e o Sapato de Artaud. Eu fiquei muito impressionado com seu aspecto de colagem, com seu senso de humor, com a leveza e, ao mesmo tempo, a radicalidade muito expressiva da escrita, uma característica muito a ver com a própria pintura de Aguilar. 

O que mais me impressionava nos livros dele era esse aspecto de delírio, onde você podia ter figuras distintas e diferentes habitando uma mesma página, como por exemplo O Sapato de Artaud habitando um mesmo espaço que um Presidente dos Estados Unidos, sabe? É uma forma de fazer com que essas figuras façam parte de um mesmo mar sincrônico. Elas se comunicam entre si. Um ser humano como o Aguilar, para mim, é uma pessoa que consegue penetrar em campos distintos, nesse pensamento-vida amplo em suas diferenças. 

E a primeira vez que trabalhamos juntos foi no período em que estava planejando Inaudito (2017), meu longa-metragem sobre Lanny Gordin. Naquela época eu já seguia o Aguilar pelo Facebook, e ocasionalmente eu postava coisas que o Aguilar curtia e comentava, e na época que eu ia fazer o filme o Lanny Gordin estava participando da Banda Performática, ele era uma figura muito importante para a banda, tanto que seu álbum clássico tem a foto do Lanny, e eu achei isso muito curioso porque era em de um período de 1980 em que o Lanny não tinha muitas gravações em disco. E eu achei isso muito forte, muito simbólico, por ser uma das únicas gravações feitas pelo Lanny naquela época. 

E nesse período eu mandei mensagem para o Aguilar dizendo "Olha, eu vou fazer um filme com o Lanny Gordin, e a gente vai fazer ele na China” e ele me respondeu “Vocês vão para a China? Então vem pro meu ateliê agora!” E foi assim. E eu fui para casa do ateliê do Aguilar, e mostrei meus trabalhos para ele, eu me lembro de ter mostrado um filme que tinha feito no Parque Augusta e ele ficou vibrado com aquilo. Ele começou a falar comigo sobre o ato de olhar, sobre o olho da experiência da primeira vez, e naquele momento a gente teve uma identificação absoluta, como se eu já o conhecesse há muito tempo. E o que eu mais me lembro era de sentir que o Aguilar conseguia atravessar um portal, sabe? Ele é um artista que consegue ficar do outro lado do portal. Geralmente as pessoas ficam em volta, mas não ele, ele consegue viver dentro dele. Foi um encontro muito bonito, ele me abriu um aspecto do Lanny que eu não sabia como colocar em palavras, eu só intuía. 

E a partir disso começamos a nos encontrar com regularidade, almoçávamos juntos, eu ia demais para a casa dele, ele mora em uma casa no bairro Bixiga em São Paulo, que é um dos bairros mais interessantes da cidade. E aí a partir disso eu o convidei para participar do Inaudito (2017), e o filme tem uma curiosidade porque os artistas que eu convidei para participar do filme eram o Aguilar, o Macalé, e o Negro Leo. Eu acho que eu não tive o interesse de chamar artistas como o Caetano ou o Gil porque o filme era muito sobre a versão atual do Lanny, sobre esse processo moderno do Lanny. E o Aguilar realiza uma performance linda no filme, ele pinta o branco sobre o branco, em uma parede branca. E aí quando eu separei as imagens gravadas do filme, ele começou a falar pra mim “Vamos continuar a fazer coisas juntos!” Foi um convite que veio dele. E a partir disso nos estabelecemos uma parceria.  Acho que até hoje nós conseguimos fazer mais de 30 performances juntos, ou mais. 

A gente trabalhou tanto junto que eu o considero como uma família, como uma espécie de amigo-pai-filho. Ele é um grande amigo para mim, ele sempre me acompanha. Eu me lembro que fizemos uma vídeo instalação recentemente lá no Sesc Consolação, e ficou uma coisa divina. Eu semanalmente vou para a casa dele, eu sento com ele e a gente bate um papo. Durante a pandemia a gente fazia live toda semana, a gente desenvolveu muitos projetos juntos, ele é uma figura que me ensina muito. Ele me ensinou e me levou para fazer Tai Chi Chuan, me ensinou a ser mais intuitivo e espontâneo. Então considero ele simultaneamente um grande mestre, um grande amigo, e um grande parceiro. 

Eu queria perguntar sobre os dois filmes que estão sendo exibidos nesta mostra e que você codirigiu com Aguilar, o Tomoaki Tomoshigue (2021) e o Agripino (2023). Como foi o processo de realizá-los? É especialmente fascinante ver Agripino por ser um filme feito sobre a pintura de película de 35mm.

GREGORIO: Então, antes de Tomoaki a gente fez juntos "O Olhar do Boto," que é um filme de 1 hora de duração que a gente projetou em uma piscina de 15 metros do Sesc Consolação. E antes mesmo desse filme eu já tinha filmado muita coisa com o Aguilar, a gente teve vários ‘’pré-filmes’’ vários ‘’quase-filmes,’’ por assim dizer. E o processo de Tomoaki veio de conversas nossas sobre um tipo de cinema ‘’presencial,’’ e foi o Aguilar que criou esse nome, ele é um artista com um verniz filosófico que vem da geração do Jorge Mautner, e a partir desse conceito a gente desenvolveu a ideia de um filme que fosse centrado ao redor de uma conversa, e que capturasse pela câmera os rostos que escutavam. Era pra ser um filme partindo do mínimo múltiplo comum, essa ideia da escuta e da fala. 

E foi tudo muito espontâneo, a partir disso teve a entrada do Tomoshigue Kusuno, que é um dos grandes artistas brasileiros, ele é um japonês zen, um vagabundo iluminado, um dançarino, pintor,  viajante do mundo, e que tem mais de 50 anos de amizade com o Aguilar. No processo de fazer o filme a gente foi na casa dele com um arsenal de duas câmeras, eu lembro que eu utilizei uma com lente de 70-100mm. E o processo de fazer ele era um jogo mesmo, aonde uma câmera ficava só no rosto do Aguilar, e outra no rosto de Tomoshigue, sendo todas guiadas pela conversa ''conduzida'' pelo Aguilar. 

É um processo quase magico de criação e colaboração artística, tem uma pintura zen japonesa que é um circulo que pode ser feito e representado em um único movimento pela mão, por um único gesto, e eu considero esse filme a partir desse movimento. Foi muito impressionante assistir ele no MAM, em descobrir este filme novamente. Eu acho que está na hora dele ir atravessar o mundo, e a gente começar a mandar ele para novos lugares. É um curta-metragem que é sobre o encontro de duas figuras incríveis, o Tomoshigue e o Aguilar, que se guia por uma comunicação guiada por um principio de incomunicabilidade. Pelo entendimento entre eles, pela pintura, pelas tintas, por essas falas livres que eles realizam. 

E o Tomoaki é mesmo um filme de mínimo múltiplo comum, ele é quase como uma refeição japonesa, é feito por um corte, por pouquíssimos cortes, por poucas coisas, pouco ornamento. Foi uma preparação baseada em uma mínima ação e um mínimo de acontecimentos. E foi assim que ele existiu. O filme tem esse titulo porque esse é nome japonês de Tomoshigue. E o filme é, obviamente, um díptico, mas ele inicialmente iria se desenrolar em uma só tela, mas quando eu cheguei ao processo de montagem eu me lembrei de dois filmes que o Aguilar tinha feito, o Sonho e Contra-Sonho De Uma Cidade (1981) e A Divina Comédia Brasileira (1980), que são filmes de duas telas, e a partir daí me pareceu natural e básico que fosse assim. Dois planos para dois rostos. Então é assim que o filme nasceu. E o nascimento já é ele. 

Já o Agripino foi um processo bem diferente, ele foi desenvolvido durante a pandemia, porque eu estava fazendo essas lives com o Aguilar semanalmente, que eram também exercícios de experimentações, em que a gente tocava, ficava pirando juntos, fazendo personagens em todas as semanas. E eu sempre fui um apaixonado pelo Agrippino (o Arthur Bispo de Rosário), pela Lygia Clark e pelo Hélio Oiticia, esses artistas pra mim fecharam uma quadratura do Brasil do século 20. Eu sempre achei eles grandes artistas, e eu tenho um livro do Agripino que não é exatamente um livro, mas é um texto de uma peça dele intitulado "Nações Unidas.” Que teve uma recepção na época de silencio absoluto, ninguém fala desse livro. 

E esse texto é uma peça de teatro, e o Agripino é tão genial que ele já começa dizendo isso: “Isso não é uma peça de teatro, isto é um show!” E é uma peça que pode ser encenada em diversas ordens, e eu li muito dela durante a pandemia. Eu fazia várias leituras para as nossas lives, e muitas leituras de textos do Agrippino, para mim o Hitler do Terceiro Mundo(1968) é um filme que estão tão aquém, tão além de qualquer comparação que talvez seja mesmo o grande filme brasileiro daquela época. É um filme que aponta para o futuro. E o Agripino é um amigo próximo do Aguilar, eles estão muito juntos, o Aguilar acompanhou o Agripino até o final da vida dele, e a gente vê no livro Verdade Tropical do Caetano Veloso que o Agripino é um dos formuladores da ideologia da época do tropicalismo. Ele era uma figura muito importante no Brasil.

E nessa amizade com o Aguilar, o Aguilar fez a capa do livro PanAmérica, e eu considero que a figura do Agripino me protegeu de alguma forma, mentalmente falando, eu não sei explicar porquê. E quando a pandemia chegou ao fim e eu e o Aguilar passamos a nos encontrar presencialmente, eu mostrei que tinha guardado em casa um rolo de película 35mm de um filme que eu tinha feito na minha juventude com o meu irmão. Eu havia codirigido ele com meu irmão. E esse filme ganhou um prêmio em um festival que fez com que ele tivesse sido convertido do digital para película. E dentro desse processo houve uma película paralela de som, da banda sonora, para colar junto da imagem.   

E nesse encontro nosso me veio essa ideia, porque eu sempre via o Aguillar pintando, eu vou para a casa dele semanalmente, eu fico sentado com ele no ateliê conversando horas e horas sobre vários assuntos, e então falei pra ele ‘’Nossa Aguilar, me veio a ideia de fazer um filme pintando sobre a película!” E isso é um conceito básico, né? Porque hoje em dia pintar em película é algo que as pessoas conhecem, especialmente depois que o Stan Brakhage aperfeiçoou esse procedimento, então não é algo de muita novidade, mas era um método que iria trazer algo de aprendizado pra nós, de curtição.

E o Aguilar respondeu na hora pra mim que toparia fazer o projeto, ele me falou ''Compra tinta de vitral, compre as cores que você vai pintar, vamos fazer essas pinturas juntos.'' Então foi incrível, porque a gente estendeu o campo de trabalho no ateliê dele. E o ateliê do Aguilar é grande, é retangular tipo uma caixa de sapato mesmo. A gente abria o rolo e era 10 minutos a duração total do filme, e a gente for cortando cada parte e formando quase que uma tela no chão. E a partir disso eu, o Aguilar, o Sérgio Villafranca (que estava com a gente na assistência da pintura), e o Rodrigo Gava também, se não me engano, ficamos andando e jogando pintura, andando e jogando pintura.

E esse era um processo de aprendizado em si. Eu fui aprendendo com o Aguilar pouco a pouco em como eu poderia ser conduzido pelas tintas, de como eu poderia ver o que as tintas queriam, aonde que elas iriam me levar. As tintas nesse processo pareciam que me levavam a lugares inéditos. E o Aguilar, como ele tinha um cineclube herdado do pai, sabia bastante como manejar material de película, então ele conseguia pegar e recortar com facilidade tudo. E no final do processo a gente embrulhou em pacotinhos de papel manteiga, em rolinhos pequenos que a gente guardou em uma caixa de isopor, no qual eu levei para minha casa.

E aí quando veio o ímpeto de organizar essa mostra no MAM, eu avisei ao Ruy Gardnier sobre esse filme e ele ficou entusiasmado em trazê-lo para o Rio. E aí aconteceu esse milagre de poder exibir esse filme. E a sala estava cheia, né? Estava com um clima quente. E a sensação de ver esse filme é de entrar em uma máquina do tempo, uma conversa telepática com o Agripino. Foi uma projeção muito forte, fiquei encantado. E por isso que esse filme teve esse nome, foi uma homenagem a tudo que o Agripino protegeu na gente.

E eu aprendi com o Aguilar... o Aguilar muitas vezes escreve nomes para os quadros, e ele me falou uma coisa que acho fascinante. Ele me falou: ‘’Ah, eu faço literatura e não pintura!” Então tem sempre essas invenções "Aguilarrianas." Mas eu entendo ele, porque ele pinta e as vezes também nomeia a obra, ele cria um título, uma frase especifica que transforma a relação com a imagem, e imagem em troca transforma a frase. Quando a gente nomeou esse filme de Agripino, o Agripino fez uma comunicação telepática com a gente. E esse filme é uma conversa com o Agripino.

E eu acho que ele ainda está em processo, a gente encontrou material de uma entrevista inédita com o Agripino, e o som neste filme ficou incrível! Porque era o som de material de 16 quadros por segundo, então eles parecem vozes de... daquilo que o Deleuze fala, né? Do Caos, de um plano do caos. Então é a criação desse plano que se você entra com a cabeça você pode ser devorado, se você não estiver preparado. Mas se você permite que as forças do caos brotem, elas fluem e se conectam com o caos. Ele fala isso no livro ‘’O Que É a Filosofia?” Como um conceito de criação de uma ética.

E essa ética seria justamente permitir que as forças, os movimentos, as fraquezas do caos possam nascer espontaneamente por elas mesmas. E a gente deixar esse plano acontecer. Por exemplo, o Deleuze fala de plano de composição, plano de imanência, plano de consistência, e esse plano de caos, e de um plano de imagem. E eu considero que esse filme, essa película transparente, essa membrana transparente é um plano de composição para que o Agripino brote. E Foi assim que ele nasceu, desse processo.

Então, uma última pergunta, como foi para você a recepção do público dessa mostra no Rio de Janeiro? Como foi ver o público reagindo aos filmes e as performances? E para você, como você se sentiu com as projeções dos filmes?

GREGORIO: Eu achei maravilho primeiro porque é a primeira vez que o trabalho dele em vídeo é apresentado em uma mostra, e eu adorei que tinha pessoas de todas as idades, uma molecada e rapaziada nova, pessoas legais demais, junto de pessoas mais velhas que eram amigas do Aguilar. Então é muito legal porque tem alguns filmes do Aguilar que são mais provocativos, especialmente em relação ao tempo, a duração, aos retratos que ele fazia de pessoas, ele faz do uso da câmera... é uma câmera que não filme, né? É uma câmera que navega e mergulha. É um mergulho.  

Então foram três dias maravilhosos, eu acho que nesses três dias acabou formando uma espécie de familiaridade, e uma família até de amizades porque você encontrar um espaço de vivencia compartilhada. E é um luxo também poder estar perto do Aguilar, já completando 83 anos de idade. Foi uma festa, uma grande festa. E foi muito legal trazer meus amigos de São Paulo para esta empreitada, criar essa membrana de conexões, e poder ocupar a Cinemateca do MAM que é um espaço muito forte culturalmente, aquele espaço tem uma energia absurda, uma energia forte e quente.  

A gente sente o espectro do Hélio rodando, o espectro do Glauber filmando o Di Cavalcanti. E é um lugar que inúmeros filmes foram projetados sobre a tela né? Eu acredito que toda vez que um filme é projetado algo dele fica na tela após o termino de sua projeção, então de certa forma uma espécie de palimpsesto espectral cinematográfico é gerado. E aquela sala é incrível, ela parece um aeroporto dos anos 50, e aquelas cadeiras geram um barulho, então a sessão fica quase John Cageana. E ela balança, então é ao mesmo tempo uma cadeira e uma rede. Enfim, foi uma grande festa. E pude fazer tudo do lado da casa da Clara Choveaux, que é meu amor, além de trazer o Sérgio Vilafranca e o Henri Daio aqui no Rio... Qual era a outra pergunta que você fez?

Acredito que não tenha outra, mas agora me surgiu um pensamento: Com o próprio Aguilar reagiu as exibições e as perfomances? Eu adorei que tive a oportunidade de participar ao vivo de uma delas, quase como um entrevistador no palco, com o Sérgio Vilafranca e o Henri compondo a banda sonora também.

Olha, ele estava feliz pra caramba! Ele reagiu como em uma festa. Eu me lembro de um momento inesquecível que ele falou que viu o Dante Alighieri na plateia, e ele falando isso em direção a audiência. Então foi uma transmissão de intensidades. É insuficiente fazer um evento do Aguilar apenas com projeção, porque a figura dele demanda um ato performático e colaborativo com o outro. A sala de cinema precisava então não ser ‘’apenas’’ uma sala. Precisava quase que se transformar em um quarto de criança, de brinquedos. Ou ser uma sala de crianças.

E eu gostei muito da sua participação Francisco, porque naquele dia a gente estava tentando estimular mais o Aguilar, fazer mais perguntas e questionamentos para ele, e aí eu me lembrei de você e te chamei para ir ao palco. Para fazer uma performance de uma pergunta no palco. E você foi ao palco, sentou em posição de lótus (quase meditativo) e fez sua pergunta. E você fez uma grande pergunta que é sobre a intuição! E a intuição é a grande pergunta permanente na trajetória do Aguilar.

Foi uma pergunta que eu fiz porque eu fiquei muito fascinado com essa ideia do inconsciente, do ato de criação intuitiva da pintura ser quase com a pintura guiando a si própria, eu acho isso incrível.

Exatamente, que é a ideia de projeção!

A projeção, sim.

Se um artista como o Aguilar ensinou para gente que o que leva e guia ele é a tinta, que ele obedece aos caminhos da tinta, acho que o equivalente para nós no campo de cinema seria a luz. A gente dança pelo movimento da luz.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Breve Entrevista com José Roberto Aguilar

 


Esta breve entrevista com José Roberto Aguilar foi realizada em um corredor da Cinemateca do MAM, no qual ocorreu entre os dias 16, 17, e 18 de Novembro de 2023 uma retrospectiva de seu trabalho em vídeo, pela direção e curadoria do cineasta e artista Gregório Gananian, que também trabalhou com Aguilar nas obras Tomoaki Tomoshigue (2021) e Agripino (2023).

Aguilar, é um prazer tremendo estar com você e poder acompanhar sua mostra aqui na Cinemateca do MAM, como você se sente com a exibição e a recepção de suas obras aqui no Rio?

AGUILAR: Olha, é uma experiência maravilhosa. Eu estou em êxtase para ser franco, porque faz muito tempo que eu não tinha visto esses vídeos. Então é como se um pedaço da minha memória tivesse sido arrancado e soltado pelo ar, e depois tivesse voltado todo contente, uma memória que volta. E a recepção do público aqui tem sido espetacular porque eu tenho a impressão que o pessoal do Rio de Janeiro tem, inconscientemente, uma pegada mais histórica, a história sendo algo que caminha junto com o pessoal, né? Enquanto em outros lugares, como por exemplo em São Paulo, esse tipo de objetividade é mais momentânea. Então estou muito, muito bem impressionado e feliz.

Dois de seus filmes que estão exibidos na mostra, os curtas-metragens, A divina comédia brasileira (1980), Sonho e contra-sonho de uma cidade (1981), utilizam duas telas paralelas para representar imagens totalmente distintas, no qual o espectador tem que traçar algum tipo de associação ou convergência entre elas. Como foi o processo de criar esses filmes? Você sabia desde o início do desenvolvimento que eles iriam ser exibidos dessa forma?

AGUILAR: Sim, já tinha esse objetivo antes da filmagem, a ideia sempre foi de apresentar uma dualidade. No Sonho e contra-sonho de uma cidade (1981) tem um lado que é lado onírico, que é Nova York, e um lado que é mais bacante, mais dionisíaco, que é aquele cemitério de automóveis, então a apresentação dessas duas sequências era o sonho e contra-sonho. Em A divina comédia brasileira (1980), eu queria usar a figura do relógio para fazer a divisão. Então a divisão inicial era da ideia do paraíso dividido a dois, de um lado um paraíso brasileiro que se reflete dentro da cerimônia negra da Umbanda, que é maravilhosa, e de outro lado um paraíso europeu que é representado pela figura da Catedral e os passantes perto dela. E além do paraíso tem o purgatório, e o purgatório nessa divisão é representado pela palavra, pela opinião, pela ideia de falar sobre tudo, de ficar nesse blá-blá-blá, e no final do curta tem o inferno, e no inferno aparece as volúpias do carnaval, as moças nuas, as performances musicais, então foram curtas para mostrar essas dualidades, e acabou que tudo funcionou né? Aí foi muito bom. 

Sobre o seu processo artístico, eu tive o prazer de ver uma instalação sua que você pinta não apenas o quadro, mas todo o ambiente o redor, e me lembro muito do conceito de action painting, como é a ideia de intuição artística e espontânea dentro de seu trabalho?

AGUILAR: Olha, para mim a associação na pintura, e eu vou falar o óbvio, se guia pela centralidade da tinta. Eu acho que a tinta tem uma alma. Então quanto mais tinta você utiliza mais gestos são encontrados, é uma dança. E a tinta também é criadora de si, ela se pinta, você pode ver isso em quadros no qual há uma quantidade de tinta que fica por baixo, mas que ás vezes sobe para cima e realiza um gesto de se pintar a si própria. 

Então tem uma junção muito grande no meu trabalho, não apenas o gesto sem sacralidade. É um processo de trabalho que só funciona quando você é invadido inconscientemente pelo poder único da tinta, que possuí uma alma. E tudo isso entra dentro de uma sincronicidade muito interessante de tinta e corpo. A obra de arte e a intuição funcionam na mesma direção. Mas se você é um artista que só é direcionado pela lógica ou por um diagrama de eventos no qual você tem que obedecer, aí a pintura vai ficar muito presa. Quando você se solta dessas restrições e se torna co-autor com as tintas, isso gera algo maravilhoso. E isso também funciona em outras esferas, outras linguagens dentro da arte. 

Muitos dos materiais que você utilizou artisticamente são de diferentes meios, como por exemplo o vídeo a película de 35mm, e a própria pintura. Eu queria perguntar como você se guia para escolher o tipo de material adequado, se é uma escolha baseada em intuição ou de um desejo de explorar novos processos tecnológicos emergentes. E, unido a essa pergunta, você acredita que as tecnologias modernas que existem no Brasil fornecem liberdade para artistas experimentarem mais? Você acha que nossa geração pode utilizar novas tecnologias de forma inventiva?

AGUILAR: Olha, isso é uma noção que se encontra presente desde o começo da revolução industrial. Por exemplo, o nascimento do cinema foi que nem o nascimento de uma imensa montanha que anda luz a um Super-Homem em uma caminhada titubeante. Sempre foi assim, já na década de 70 eu adquiri a primeira câmera de vídeo, a câmera Black and White da Sony, e agora, depois de 55 anos, já temos a inteligência artificial. Toda essa questão da evolução tecnológica que encontramos no passado e no presente não é nada mais nada menos do que meios específicos que a gente pode utilizar para fazer a nossa assinatura, para marcar a nossa própria individualidade. Essa é a base total de qualquer inovação. 

FESTIVAL ECRÃ 2024: Interview with Matilde Miranda Mellado, director of Salaman Extensor.

  One thing that really touched me about your film was this theme of trying to search for  a way to express an emotion that is very internal...