sábado, 4 de fevereiro de 2023

Anotações breves de Knock At The Cabin(2023). de M Night Shyamalan.



O cinema de Shyamalan sempre teve como uma temática central a questão da fé, entre a luta de uma visão racional e ateística de eventos aparentemente extraordinários e uma resignação ao fracasso de tentar compreender racionalmente o mistério da vida, os seus personagens ao se depararem com algo absurdo, inacreditável, e fora do padrão sempre transitam entre esses dois registros de pensamento: A tentativa de racionalizar os círculos nas plantações como sendo uma pegadinha de jovens em Sinais (2002), a taxação inicial de esquizofrenia feita pelo médico infantil Malcolm Crowe a criança mediúnica vivida por Haley Joel Osment em O Sexto Sentido, e a declaração de uma personagem psicóloga ( vivida por Nikki Amuka Bird, também presente em Batem á Porta), após presenciar pessoas em uma praia envelhecendo um ano em uma hora em Tempo (2021) : "Nós devemos estar passando por uma espécie de psicose coletiva!"

A luta entre uma aceitação a algo que é impossível de ser explicado e a tentativa de encaixar o inédito em "caixas" conceituais reconhecíveis anima a tensão geral de Knock At The Cabin, que é um dos filmes mais frontais de Shyamalan nesse sentido ao colocar os personagens principais( o casal vivido por Jonathan Groff e Ben Aldridge) como quase representantes dos dois lados dessa moeda: Enquanto o último mantêm uma postura crítica e cética a tudo que os invasores dizem( argumentando que os vídeos apocalípticos são filmagens pré-gravadas, que eles são parte de um culto suicida estilo Heaven´s Gate), o outro começa a entrar em um processo de corrosão do que ele deveria identificar como a explicação mais lógica do evento, e gradualmente passa a acreditar na explicação mais fantástica. 

Com isso, Shyamalan continua a se afirmar como um dos poucos cineastas comerciais que lida com a questão da fé em algo transcendente a si mesmo, e o vilão dos seus filmes sempre é a tentativa de mediocrizar algo que por si só é extraordinário, o crítico de cinema em A Dama da Água (2006) vivido por Bob Balaban, e a psiquiatra interpretada pela Sarah Paulson em Vidro (2019) são as figuras mais malditas em seu cinema exatamente por sua descrença absoluta que a vida pode trazer algo novo, imprevisto, nunca visto ou pensado antes de sua aparição, e o seu cinema é luta constante em como poder representar esse milagre, seja de um menino que vê fantasmas ou de uma família que consegue averter o apocalipse. 

Vou rever o filme, há diversos elementos que quero refletir mais sobre( em especial como M Night é um dos poucos diretores de mise-en-scene em uma hollywood devastada pela amnesia generalizada de como compor uma imagem, uma encenação, um clima, uma atmosfera...) mas algo que me ressalta é como esse filme continua um fio que Shyamalan discute desde 1999: Em seu cinema, ter fé é ao mesmo tempo um ato de sobrevivência e resistência a padrões dominantes racionalizantes e mortificantes.

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